Sempre considerei que escrever é algo fácil. Mas exige esforço. Ainda mais em tempos pautados por tantas transformações sociais e culturais como estamos vivendo nos últimos anos. A gente escreve para emocionar, relatar, encantar, vender, persuadir, informar e tantas outras intenções quantas se possa pensar.

Ultimamente, tem me tomado mais tempo, por exemplo, a construção de textos neutros em termos de gênero.

Escrevo muito para empresas e normalmente, a palavra colaborador, fornecedor, parceiro estão muito presentes. Antigamente, eu usava e pronto, agora, fico sempre pensando em como ser mais inclusiva. Embora seja a norma correta do idioma, as flexões predominantemente no gênero masculino passaram a me incomodar. Também acho feio o uso do (a) entre parênteses e realmente não gosto do tal do X para indicar neutralidade. Dia desses, em uma palestra sobre acessibilidade, aprendi que os sistemas de leitura em áudio não conseguem interpretar esse X e podem atrapalhar a compreensão de quem precisa desse recurso.

Sobre liderança e discursos

Outra coisa que tenho refletido mais ao escrever são pronomes possessivos, em especial quando entrevisto líderes que dizem “minha equipe”, “meu time”, “meus colaboradores”.

Em sistemas gerenciais cada vez mais abertos, processos ágeis, estruturas flexíveis, equidade, essa maneira de referenciar as pessoas também passou a gerar desconforto. O João ou a Maria não são “seus funcionários”. São seres autônomos, que podem estar alocados na equipe A, B ou C, que temporariamente está a liderança de uma pessoa. São contratados pela empresa. Mas pertencem unicamente a si mesmos. Talvez, pertençam de livre e expontânea vontade a seus amores. Mas não a um líder ou a uma organização.

Dia desses assisti a um filme fantástico sobre a vida de José Saramago e sua esposa Pilar. Ela exigia ser chamada de Presidenta da Fundação Saramago. Um dia, ao ser questionada por um repórter, ela disse: “não existia a palavra Presidenta porque não existiam mulheres nessa função.” Agora que existem, o correto seria usar presidenta, gerenta, sargenta, e por aí vai. Causa estranhamento, mas ela tinha um bom ponto.

A escrita evolui com o tempo

A maneira de nos expressarmos muda com o tempo e as configurações da sociedade em que vivemos.

Nosso idioma, apesar de rico, parece se empobrecer. à luz das fórmulas prontas e das receitas de sucesso cada vez mais repetitivas. A gente decora e passa a adotar sem senso crítico. Usa expressões que já não fazem sentido. Recorre a formatos que caíram em desuso. A gente pode ser preconceituoso em uma frase, mesmo sem querer. Pode ser indelicado, antiquado, deslocado. Pode ser igual, querendo ser único. Pode excluir, buscando ser universal.

A habilidade de se comunicar bem vai muito além de decorar algumas poucas estruturas e usá-las por todo o sempre. A gente escreve o mundo de diversas maneiras. Damos voz às nossas organizações. Contamos quem a gente é e no que acredita em posts de Linkedin, Instagram e Facebook. Expressamos ideias, mas também nossas crenças, valores e preconceitos.

Palavras certas

Escolher palavras certas é tarefa que exige esforço, conhecimento, leitura, diversidade, visão ampliada de mundo, desconstrução de estereótipos.

Faz bem também furar nossa bolha de preconceitos e beber em muitas fontes. Ler, reler, pensar e repensar. Escrever é fácil. A gente só precisa de um cérebro, um computador e uma tela em branco (antiquado falar em papel e caneta…). No meio, coloca ideias, preferencialmente, originais.