A porta do elevador se abriu. Lá dentro, o senhor baixinho, meio rechonchudo, com seu sempre presente boné. Lá fora, eu, meio perdida a caminho de um quarto de hospital.
Reconheci de imediato. Fiquei em dúvida se havia sido reconhecida. Perguntei. A resposta veio na forma de sorriso e de um grande abraço. Chorei. Choramos.
Depois de algum tempo, entramos juntos no quarto de hospital. Conversamos alguns minutos, mãos dadas e um espanto de quem não se via há tantos anos. Ao me despedir, veio o choro. Meu. Dele. 
No dia seguinte era Natal. Saí para ir à missa e fui ao hospital novamente. Entrei no quarto. Ele dormia. Sentei-me em silêncio e permaneci ali, sem coragem de acordá-lo. Toquei seu rosto e me despedi. Era um Natal triste.
Foi a última vez que vi meu tio Rinaldo, irmão de meu pai. Ele morou com a gente quando éramos pequenas. Aquele tio de quem a gente gosta, com quem ri. Depois que meu pai morreu, sempre que o via, eu me lembrava da imagem do meu pai. Talvez pelo sempre presente boné.
Depois de adulta, eu o vi poucas vezes. Sou uma sobrinha relapsa, eu sei. Mas no último Natal, tive vontade de vê-lo e fui até o hospital. A cena do elevador é verdadeira e aconteceu com a gente. Eu chegava, ele descia para um exame. Me exibia, orgulhoso: minha sobrinha, doutor.
Hoje, sinto um misto de tristeza e embaraço. Chorei, sozinha dessa vez. Sei que minhas irmãs, primas, tios e minha mãe devem ter chorado também. Cada uma a seu modo, teve seu jeito de amar Tio Rinaldo, ou o velho Gigot, como todos os chamavam. 
Quando alguém morria, meu pai costumava dizer que ia ter Festa no Céu. Hoje, os cinco irmãos talvez se encontrem. Rolando, Roberto, Rinaldo, Rute, Regina. Que vô Cincinato e Vó Fia possam acalentá-los do lado dai. Do lado de cá, uma dose de saudade. De uma sobrinha relapsa. Uma prima ausente. Uma criança que viveu momentos dos quais não se lembra mais. Só lembra que gostava dele.
Que descanse em paz meu tio Rinaldo. E que a gente possa aprender que mesmo que seja tarde, sempre vale a pena procurar por alguém nem que seja só para um abraço. Ainda que esse abraço aconteça quando se abrirem as portas de um elevador.

Publicado em maio de 2020 no Facebook.