Quantos de nós existem morando em um só corpo?

Fiquei pensando isso hoje, ao passar perto de uma linda paineira, com suas belas flores rosadas. É uma árvore interessante.

A copa, nessa época do ano, está coberta de flores.

Tem o tempo das folhas. Tem também o período da paina, que antigamente era usada para rechear travesseiros.

Entre ser espinho e ser flor

O tronco é cheio de espinhos, não se pode tocar porque espetam, machucam e muitas vezes passam realmente desapercebidos diante da beleza das flores e dos flocos de algodão.

Como a paineira, temos muitas épocas dentro de nós. Em algumas, somos tão machucados por dentro, que desenvolvemos espinhos para nos proteger de futuras dores. Congelamos por dentro. Criamos couraças na tentativa de evitar as lágrimas e tristezas. Afastamos pessoas, nos trancamos em lugares de solidão. Por fora, poucos percebem a dor interna, afinal, eventualmente nos cobrimos de flores.

Como a paineira, há momentos em que a vida é flor que colore o dia. Nos sentimos pétala ao vento. Felizes. Em harmonia. Só queremos embelezar o dia. O nosso. O do outro. O de quem cruza nosso caminho. Tudo parece tão bonito, mesmo quando passamos por desafios. As flores que caem no chão se transformam em lindos tapetes.

Há ainda aquele tempo de sermos paina, aquele algodão branco que enche travesseiros. Época em que estamos repletos de vida, energia, alegria, força de trabalho, otimismo.

E tem ainda aqueles tempos em que tudo isso vive dentro de nós. Somos um. Somos muitos. Somos capazes de amar novamente, mesmo que ainda exista dor. Somos capazes de construir coisas boas, mesmo que não saibamos exatamente qual o melhor caminho. Sabemos que somos apenas humanos. E que erramos. Acertamos. Embelezamos e tornamos mais triste a vida da gente. A vida de quem gosta da gente.

Tudo dentro da gente

Há quem diga que pessoas são incapazes de mudar. Há quem não goste de mudar. Há quem resista à mudança. Há quem aceite que, como as paineiras, há tempo de transições. De folha para flor. De flor para paina. De paina para folha.

Os troncos permanecem com espinhos. São fortes. Sustentam a árvore para as próximas estações.

A gente não vê a raiz. O que sustenta a paineira e faz com que ela sobreviva nas cidades e nos campos. Nela talvez esteja guardada a seiva da transformação. A que sabe exatamente qual o tempo das folhas, das flores e da paina.

Existem muitos de nós em nós mesmos. O de ontem. O de hoje. O de amanhã. Convivem e brigam.Florescem. Aprendem e ensinam. Evoluem. Escrevem o livro de nossa trajetória.

Me encantam as paineiras em flor.