Hoje à tarde, diante da tela de computador em branco, engasguei que nem carro velho. Sabe aquele fusca, que não pega de jeito nenhum? Pois foi assim que me senti. Nada saía da cabeça para a tela.
Bem, aprendi que quando um carro não quer pegar, a gente chama quem estiver passando por perto e pede socorro. Aí todo mundo empurra junto e o tranco ajuda pelo menos a chegar em casa. Ou a gente chama o seguro.
Bem, quase todo mundo que já teve carro velho passou por isso uma vez na vida, certo? Pois bem, não era um fusca empacado. Era uma redatora empacada. E quando isso acontece, qual é a primeira saída que a gente vê pela frente? Preciso urgentemente de um café.
Berçário de mudas
Coloquei o coador, o pó e a água na cafeteira, liguei o botãozinho e fui fazer outra coisa. Aqui em casa tudo é meio automatizado. Enquanto a máquina trabalhava, olhei para o berçário de sementes que montei no domingo. Estava ali no balcão da cozinha. Levantei o papel para ver o processo de germinação. Resolvi transplantar algumas mudinhas bebês para outro viveiro.
Com uma pinça, fui pegando uma por uma. Foram 27 no total. Levei alguns minutos fazendo isso, atenção totalmente voltada para cada mudinha. E o café lá, descendo lentamente na cafeteira. Acabei a mudança orgulhosa do berçário novo. Daqui a alguns dias já vão nascer as folhinhas. Em pouco tempo, vão para a terra. Daqui a alguns meses, vou distribuí-las para quem quiser mudas de rosa do deserto vermelha.
O café ficou pronto, voltei ao computador. O texto deslizou da mente para os dedos, dos dedos para o teclado, do teclado para a tela. O café? Estava gostoso, mas não me ajudou em nada. Tirar a cabeça da tarefa intelectual e me dedicar a algo manual, singelo, delicado e que gosto de fazer, mesmo por breves minutos, foi o tranco que meu cérebro precisava.
E o texto empacado?
E o que é que bloqueios mentais, fuscas, cafés e mudas de rosa do deserto tem a ver com uma rede social profissional? Nada né? Ou talvez tudo. Ou um pouquinho só.
- Fiquei pensando no quanto precisamos de pausas para fazer coisas tolas, sem importância alguma. Na pré-história do trabalho presencial, esse fazer nada era o cafezinho, a prosa no corredor, as reuniões quando acabavam e a gente ficava na base da fofoca. No pós-pandemia, a gente se sente culpado, vigiado, medido pelo tempo de conexão. Não fazer nada, ou fazer algo à toa, dá até um tipo de vergonha.
- Tudo o que a gente aprende um dia serve para alguma coisa. Minhas mudinhas de rosa do deserto são os feijões que a gente colocava no algodão, lá nos tempos de escola, na aula de ciências. Era emocionante colocar o feijão e ver ele brotar. Nem era pela nota, era pelo encanto. Sou uma mulher com 56 anos, fiz mudinhas de feijão há meio século, mas esse conhecimento ainda é resgatado quando resolvo brincar de jardineira. Assim como, ao escrever, recorri a coisas que aprendi em diferentes contextos da vida. A isso, chamamos repertório.
- Trabalho criativo não é robótico e trabalho robótico não é criativo, ou pelo menos, não é original. Sou muito comprometida com as demandas que assumo, gosto de entregar o melhor, sempre. Mas às vezes demora, bloqueia, não sai. A tecnologia, algumas vezes, pode ser quem ajuda no tranco (talvez até mais que o café e a jardinagem). Mas hoje, só recorri a ela na hora de revisar, porque a ideia veio da boa entrevista, das minhas referências, do excelente briefing do cliente.
- Home-office faz muito bem para quem trabalha com criatividade. Em um escritório cheio de gente, com barulho, luzes artificiais, ar-condicionado, com roupa de trabalhar, sapato, parece que o cérebro temporariamente entra em módulo off. Em casa também entra, meu exemplo é claro. Mas um canto tranquilo, mexer com algo totalmente nada a ver, olhar para o céu, brincar com os cachorros, faz a cabeça da gente engrenar com um pouco mais de leveza e alegria.
Escrever como ofício

Sou jornalista, redatora corporativa. Escrever é ofício diário. É também fácil, às vezes automático, outras vezes nem tanto. Gosto dessas pequenas coisas que acontecem em um cotidiano nada glamourizado, das singelezas que me instigam a escrever para mim mesma, coisa cada vez mais rara.
Aprendo com tudo, até com sementinhas que germinam em um pirex de vidro, no balcão da cozinha amarela. Um dia, irão enfeitar a casa de alguém. Pode ser a sua, quer uma?