É impossível ser feliz sozinho
É impossível ser feliz sem João Gilberto. Pelo menos por hoje. Meu coração anoitece embalado pela voz de João Gilberto. Os versos cantados por ele me acompanham desde que me entendo por gente e ouvi pela primeira vez os acordes mágicos de Wave.
Ouço nesse instante, como se sua voz doce falasse aos meus ouvidos. “Vou te contar, os olhos já não podem ver, coisas que só o coração pode entender. Fundamental é mesmo o amor é impossível ser feliz sozinho”.
Wave sempre foi a música que mais amei nesse mundo, ao lado de “Everytime We Say Goodbye”. João Gilberto sempre foi o cantor e compositor que mais amei no mundo, ao lado de Frank Sinatra. Sei que o compositor é outro, mas Wave para mim é sinônimo de João.
Voz que era poesia
A tristeza se senta ao meu lado e juntas ouvimos João Gilberto. Uma voz que era poesia. Um violão que era poesia. Palavras que dançavam e formavam poesia. Sua música tem um canto em cada canto meu. Em muitas histórias. Em tantas lembranças. A tristeza me oferece um lenço. As lágrimas caem e permito. Chorar é quando a dor transborda o tamanho do peito.
Cantei ao som de João Gilberto nas noites do Arraial do Capim Mimoso. Nas serenatas. Nos barzinhos de madrugadas boêmias. Tantas vezes tendo minhas irmãs por companheiras.
Dancei Wave de rosto colado com um dos grandes amores de minha vida. Entre taças de vinho e passos leves, eu traduzia a letra. Era poesia e amor ao mesmo tempo. “O amor se deixa surpreender enquanto a noite vem nos envolver”.
Com João Gilberto, morre um dos poucos ídolos que tive na vida. Sua voz de poesia fica. Sua música embalará meus próximos dias. Sua voz me encantará os sonhos e vai preencher as paredes de dentro e de fora, com uma sensibilidade que sempre fez parte de mim.
Tristeza é senhora
Sinto-me triste como se tivesse partido um amigo próximo, alguém a quem eu admirava pela beleza, pela inteligência, pela competência técnica, pela autenticidade. Em seus últimos anos, foi vítima de situações inaceitáveis para um artista de seu porte. Permaneceu fiel a si, contando com a ajuda de amigos. Não se vendeu jamais, não desacreditou de si, manteve-se autônomo até o fim.
Enquanto escrevo, sua voz mansa me traz Chega de Saudade, um dos hinos da música popular brasileira, composto pelos também gênios Tom e Vinícius. Quantas vezes cantávamos em bares, inebriados pelo ritmo, pela poesia e pela beleza.
João Gilberto talvez tenha sido, ao lado de Fernando Pessoa, o semeador da poesia na minha vida. Fui encantada por bons jardineiros na arte da palavra escrita e cantada. Deram flores e frutos em mim.
Sem João, pelo menos nesse momento, é só tristeza e a melancolia que não sai de mim, não sai de mim, não sai…
Texto publicado originalmente no Facebook, em 6 de julho de 2019