Dia do Jornalista
Nesse dia do Jornalista, há pouco o que comemorar. Nossa credibilidade vem sendo destruída dia após dia, por aqueles que tem interesse em reduzir a cinzas nossa capacidade de ter senso crítico. Nossa inteligência. Nossa capacidade de pensar de maneira autônoma.
Começo pelo famigerado termo fake news, que ouço e leio com maior frequência do que ele mereceria. Para mim, no contexto do jornalismo, trata-se de uma aberração. Pode-se ter uma notícia mal apurada, uma notícia com forte teor ideológico, uma notícia tendenciosa. Mas não uma notícia falsa. O nome disse é outro: mentira, calúnia, boato, falsidade, fofoca.
Mas como nosso senso crítico tem sido cada vez mais raro, compramos a terminologia e a usamos para minar ainda mais a credibilidade do já combalido jornalismo.
Questionadores, curiosos, provocadores, investigativos, temos sido transformados de repente em escravos de um modelo de distribuição que privilegia um baixíssimo nível de aprofundamento, uma rasura intelectual assustadora, um modelo que transforma nossa capacidade de produção de conhecimento (e de questionamento) em mercadoria entregue praticamente de graça.
Remunerar o jornalismo
Pagar para receber conteúdos jornalísticos? Para que, se posso ter tanta coisa de graça… Pobre da sociedade que assassina seu jornalismo, que acredita em qualquer líder maluco que brada aos quatro ventos que qualquer conteúdo que o questione é conteúdo falso. Pobre da sociedade que prefere informar-se pelo twitter de um presidente notadamente inapto para o cargo, a informar-se por meio do trabalho de jornalistas que se aprofundam em temas como saúde, educação, economia e relações exteriores.
Jornalistas vem sendo presos, assassinados, calados, ridicularizados.
Por outro lado, em países que valorizam a democracia, iniciativas vem sendo tomadas para valorizar o jornalismo local, para que as pessoas questionem seus prefeitos, vereadores, empresários, justiça. O jornalismo é fundamental para as garantias de uma sociedade livre e longe dos horrores da servidão a que nos submetem para a manutenção do status daqueles que querem que a gente não pense, apenas consuma. Compre, compre, compre… é o mantra dos tempos modernos.
Mantenha-se anestesiado ao consumir pílulas de futilidade.
Ninguém precisa saber que a pobreza voltou a crescer no Brasil, em um ritmo alarmante. Que gays e travestis são espancados nas ruas. Que pretos são humilhados em faculdades de medicina. Que professores são demitidos por suas crenças e posicionamentos pessoais, que não é possível descolar de quem eles são. Não precisamos saber dessas coisas, talvez mentirosas, quem sabe? Para que tudo isso?
Precisamos é saber das séries do Netflix, das últimas baixarias musicais, das competições bizarras do mundo televisivo, de quem pegou quem ou faz sexo com quem. Precisamos detonar aquele cantor que defende os direitos humanos. Nos transformar em haters daquela deputada que conquistou seus votos por mérito próprio, mas já chega querendo se fazer ouvir.
Hora de refletir
É preciso construir uma sociedade melhor e o jornalismo pode e deve fazer parte disso. É preciso olhar para a frente e pensar como, em meio a tanta mudança e em um cenário onde ser influente vale mais que ser inteligente, poderemos transformar a realidade que nos cerca. Não se trata de resgatar o que julgamos que era bom. Mas de construir uma sociedade mais justa, crítica, ética e moralmente voltada para um contexto de inclusão e igualdade. Cabe ao jornalismo contribuir para a busca desse caminho, que pode ser apenas uma ideia utópica. Mas é assim que podemos transformar o mundo. Acreditando que ele pode ser melhor. E que nós, jornalistas, podemos trilhar esse caminho.
Publicado originalmente no Facebook, em abril de 2019