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Anunciação

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Anunciação

O primeiro olhar aconteceu faz muito, muito tempo.

Ainda inocente das coisas do mundo, naquele instante, entendi que aquele olhar significava algo bom. Meus olhos se assustavam com a luz, mas percebiam que aqueles olhos serenos e protetores tinham muito a me fazer enxergar.

A beleza do olhar permaneceu ao longo do tempo. Seus olhos brilham com conquistas. Choram com dores. Sorriem e me seguem distantes, na medida em que a vida me leva em seu caminhar.

Olhar dentro dos olhos de outra pessoa é um gesto delicado, que envolve amor e coragem. Olhos são espelhos da alma. Refletem o concreto da vida. O subjetivo que nem mesmo a gente é capaz de se dar conta. O olhar transmite, traduz, interpreta e guarda seus mistérios.

Tu vens

Aquele mesmo olhar que estava lá, esperando por mim, pelos meus próprios olhos, foi o que vi dia desses. De mãos dadas, ela cantava para mim e eu para ela:

“Tu vens, tu vens… eu já escuto seus sinais”.

Alceu Valença

Com o mar de água ao fundo, em meio a um mar de gente. Éramos apenas minha mãe e eu. Nós e a música de Alceu Valença. Pela primeira vez ao vivo.

Ao me enxergar no olhar de minha mãe, que cantava tão lindamente, vi a bela mulher que ela é. Forte, corajosa, amorosa, impaciente, impulsiva. E vi a mulher que ela fez de mim. Com as mesmas qualidades, talvez um pouco mais paciente. E muito menos racional.

Eu te anuncio

Saí de casa quando tinha 18 anos, para dar meus primeiros passos profissionais. Fui para longe, muito longe de casa. Seu olhar acompanhou o ônibus que partia. Dentro dela, seu coração se partia. Quando entrou no carro e ligou o rádio, os versos: “Tu vens, tu vens… eu já escuto seus sinais”.

Ela sabia, naquele instante, que eu viria muitas vezes, mesmo seguindo meu caminho. Foi para isso que me educou, para que eu desse meus passos com autonomia. Para que vivesse meus sonhos. Seu olhar sempre me deu asas. E também me deu chão. Espaço de onde partir e para onde voltar.

O tempo passou, passou. Vivi muitas vidas. Peguei muitas estradas. Por mais longe que eu vá, sempre volto. E ela canta novamente: “Tu vens, tu vens… eu já escuto seus sinais”.

Esse ano, pela primeira vez, assistimos juntas a um show do Alceu Valença, na praia de Caraguatatuba. Um pedacinho do coração da minha mãe mora lá. Um mar de gente. Um mar de água. Tudo parecia não existir diante dos olhos dela, que olhavam dentro dos meus. Juntas, cantamos os versos tão nossos. Choramos. A gente sabe que viveu um momento único.

Lentes do amor

Naqueles minutos em que a música durou, meus olhos fotografaram o rosto da minha mãe, de um jeito que nunca serei capaz de esquecer.

Gravei cada detalhe. Cada instante. Cada batida do coração.

Há muitas maneiras de viver momentos mágicos, únicos e espetaculares. Acredito que foi o que aconteceu com a gente, ao som do mar e da voz de Alceu cantando Anunciação.

Há muitas canções de amor que embalam minha vida. Mas essa, definitivamente, é a mais bela. Foi um dos momentos mais intensos do meu jeito de ser filha. Nem sempre presente, nem sempre constante. E do jeito dela de ser mãe, me olhando com aqueles olhos que são difíceis de descrever. Olhos da cor do mar, da cor do amor, da cor de quem embala e protege sua cria.

Os mesmos olhos que um dia os meus viram pela primeira vez, sem entender direito o que significava nascer. Pois foram esses olhos que me ensinaram a entender os sentidos da vida. Do amor. Do perdão. Da saudade.