Minha mãe é uma grande jardineira. Possui uma quantidade enorme de vasos na casa em que moramos há mais de 30 anos. Sabe a história de cada um deles, conhece os hábitos das plantas e se entristece quando tem que cortá-las porque cresceram demais.
Dia desses, me convidou animada para ir à sua pérgula, uma mini floresta cultivada em seu quintal. Um de seus inúmeros vasos dera uma flor estranha, que nasceu depois de 28 anos que a planta foi cultivada. Trata-se de uma suculenta, da qual surgiu um pendão enorme, que ultrapassou o muro e invadiu o telhado do vizinho. Isso significa mais de 2 metros de altura.
A flor em si já seria exótica o suficiente, mas havia mais. Para produzí-la, a energia necessária havia sido tanta, mas tanta, que a planta começou a morrer. E secará completamente, junto com a flor. Deixará, entretanto, pequenos filhotes, mudas nascidas de suas raizes.
Conversando com Dona Lúcia, ela explicou-me o que havia de tão belo naquela suculenta, que dedicou toda a vida a dar uma única flor, excêntrica e bela. Na vida, há pessoas assim, que escolhem uma causa e lutam por ela até que se esgotem suas energias. Vivem e morrem para poder florescer ao menos uma vez.
Sabedoria de minha mãe.
Talvez a flor queira realmente nos dizer isso. Que é preciso dar tudo de si para gerar flores e frutos, sejam quais forem. É preciso obedecer ao tempo da natureza. É preciso abrir mão de algumas coisas para poder concentrar toda a energia em uma única flor. Ou em muitas flores, que virão ao longo da vida e talvez nos matem de diferentes formas.
No vaso de minha mãe, a planta que agora deve estar finda produziu várias mudas. Todas saudáveis e se preparando para também florir um dia.
Talvez a vida da gente seja também assim. Todos sonhamos em deixar uma obra grandiosa, valorosa, que deixe marcas na vida de alguém. Nem sempre é possível. Mas somos capazes de fazer multiplicar nossas ideias, nossas propostas de vida. Somos capazes de fazer filhos, nossa continuação, para depois que formos embora.
A planta do jardim de minha mãe demorou 28 anos para florir. Sua beleza é única, justamente pela raridade do fato. Talvez as filhotes do vaso levem outros 28 anos. Talvez não.
Os vasos do quintal de minha mãe tem muitas histórias para contar. Gosto de ouví-las. Gosto de varrer as flores enquanto as abelhas zumbem. As flores do jardim de minha mão são como páginas de um livro. Cheias de poesia, surpresas e a força da natureza.
Descobri no google que a suculenta em questão se chama “Agave Dragão”, é originária do México. Ao morrer, deixa sementes e novos brotos, que começarão o ciclo outra vez.
Assim também somos nós, em nossas mortes e vidas marcadas pela reinvenção de nós mesmos. Que saibamos deixar morrer a planta que já cumpriu sua missão. Quem sabe assim, novas flores possam surgir misteriosamente nesse jardim que cultivamos todos os dias. Dentro de nosso coração.
Texto escrito a pedido de minha mãe, com seu entusiasmo e curiosidades infinitos.
Te amo, Lucia Sousa.
Escrever é a flor que produzi só para você.
Publicado no Facebook em maio de 2019
Nossa, eu amei seu relato. Fiquei super sensibilizada pois a minha agave querida, com mais de 14 anos fez sua linda demonstração de propósito de vida e está morrendo agora. Ela deu seu show, com suas flores exóticas que chamavam abelhas, beija flores e morceguinhos. Por uns 2 meses ela foi a atração dos meus dias, bem em frente à janela do meu quarto. O detalhe é que ela estava plantada no primeiro andar e meu quarto fica no segundo!